PROVIMENTO N.º 42 DO CNJ
Crítica e análise dos limites
constitucionais do Conselho Nacional de Justiça
Foi publicado neste último dia 31 de outubro de 2014 pelo Conselho
Nacional de Justiça o Provimento n.º 42,
assinado pelo Ilustríssima Ministra do
Superior Tribunal de Justiça Dra. Nancy Andrighi, que
versa sobre a obrigatoriedade do encaminhamento
e da averbação na Junta Comercial, de cópia do instrumento de procuração
outorgando poderes de administração, de gerência dos negócios, ou de
movimentação de conta corrente vinculada de empresa individual de
responsabilidade limitada, de sociedade empresarial, de sociedade simples, ou
de cooperativa, expedida pelos Tabelionatos de Notas.
A
edição do provimento não traz nítida exposição de motivos para tal implemento,
mas há que se reconhecer ter por escopo a segurança jurídica de algumas instituições
privadas.
Entretanto,
notadamente é mais um ônus atribuído
à atividade notarial e por essa razão fazemos algumas ponderações: Esse ônus
pode ser imposto ao notário? O instrumento utilizado pelo CNJ é o adequado?
Formalizamos
aqui nossas considerações.
Com
a edição da carta constitucional de 1988, houve uma grande evolução na ordem jurídica
no tocante à atividade notarial e registral no Brasil, que ganhou redação própria
no artigo 236 constitucional.
Entretanto,
propomos um breve olhar para o contexto histórico que envolve nossa carta
mandamental.
A constituição de 1988 surgiu logo após o
final da ditadura militar, um período conturbado da historia brasileira, em que
militares tinham o comando do governo do país. Com a chegada ao fim do regime
militar, foi necessária a transição do regime a um Estado Democrático de
Direito, que se deu por meio da promulgação de uma nova constituição, esta,
elaborada de forma democrática, conforme a configuração do Estado, preocupada
em garantir os Direitos para que não se ocorresse uma arbitrariedade por parte
do Estado.
Por seu contexto histórico, o legislador
originário, prevendo que mudanças poderiam ocorrer, acabou por instituir cláusulas
pétreas, em que deixam resguardados os direitos fundamentais e a forma de
Estado, dentre outras.
Ainda hoje nosso texto constitucional é
muito criticado, pois é considerado prolixo, uma vez em que trata de assuntos
que, em tese, não deveriam se tratados por ele (texto constitucional), mas por
normas infraconstitucionais. Mas isto tem um motivo – a questão histórica de
como ela surgiu. Para que fossem resguardados alguns direitos a Constituição
Federal acabou por ficar muito extensa. Esta é uma das criticas feita ao nosso
texto, isto, devido ao direito comparado, em que, por exemplo, a constituição
americana é muito menor, também sendo muito mais estável, já que data de 1789.
Conduzindo
para o cerne do presente estudo, dentre os assuntos tratados em nossa
Constituição, cumpre-nos acusar a separação
dos poderes que se apresenta como uma garantia nacional.
Antigos
pensadores já acentuavam a importância da limitação do poder político. Isto
deveria ser realizado de forma que um poder fosse limitado por outro poder,
evitando-se, assim, estabelecer uma autoridade demasiada poderosa, sem freios
nem paliativos.
Em
Platão, já podemos visualizar esta intenção. Ele foi o primeiro a falar sobre
separação das funções da cidade nas instituições da cidade, quando este discorreu
sobre a Pólis perfeita, afirmando que deveria haver
uma distribuição de funções dos entes da comunidade, ou seja, cada pessoa
deveria realizar a sua função junto ao grupo social, ficando mais clara essa
idéia, inclusive, quando menciona os afazeres dos guerreiros – que deveriam
proteger a cidade; dos magistrados – que deveriam governá-la; e, dos mercadores
– que deveriam produzir e comercializar os bens de consumo. Platão seria o
primeiro autor a esboçar a idéia de uma desconcentração de poder, levantando
uma corrente doutrinária baseada no equilíbrio, proporcionado por uma
organização política formada por partes, defendendo inclusive uma teoria de que
o todo precede as partes. Entendia a realização das funções de cada indivíduo
de acordo com as suas atribuições, como sendo o princípio de uma ordem justa,
equânime e harmônica.
E
essa teoria foi trazida para o nosso ordenamento jurídico, não somente na carta
de 1988, mas nesta ganhou ainda mais força.
A atual
Constituição da República Federativa do Brasil predispõe, em seu artigo 2º, que
são poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Essa classificação, não
foi realizada por obra exclusiva de apenas uma pessoa, mas objeto de anos de
desenvolvimento teórico e prático realizados por mentes brilhantes, em
diferentes momentos da história, que culminaram nesta obra prima de legislação
aplicada hoje na maioria das democracias do mundo conhecido como o princípio da
Separação de Poderes, este em Corrente Tripartite.
Trata-se
de um princípio fundamental do ordenamento jurídico brasileiro que o legislador
constituinte originário consagrou, na Carta Política de 1988, expressamente
como cláusula pétrea no artigo 60, § 4º, III, que estabelece: “Não será objeto de deliberação a proposta
de emenda tendente a abolir: [...] a separação de poderes”.
No
tocante à atividade notarial, a Constituição Federal positiva o serviço público
no artigo 236.
In verbis:
CF/88, art. 236: “Os serviços
notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do
Poder Público.
§ 1º - Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e
criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá
a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário;
§ 2º - Lei federal estabelecerá
normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos
serviços notariais e de registro;
§ 3º - O ingresso na atividade
notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se
permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de
provimento ou de remoção, por mais de seis meses;
Notemos que no parágrafo 1º do artigo acima encontramos redação
imperativa no tocante a pratica dos serviços notariais onde temos, dentre
outros, que a lei regulará suas atividades.
Notadamente o Provimento n.º 42 do
CNJ impõe 02 (dois) ônus à atividade notarial, quais sejam: i – encaminhar ofícios com cópias dos atos às
Juntas Comerciais; ii – responsabilidade por tais remessas.
Encaminhar ofícios às Juntas
Comerciais – no que concerne ao encaminhamento de ofícios e cópias das
procurações lavradas com finalidades de gestão de empresas e movimentações
bancárias, temos que a medida fatidicamente gerará custo para a operação e, portanto
fazendo algumas indagações: Quem há de suportá-lo? Tabelião ou o usuário do
serviço?
Em verdade, alguns Códigos de Normas estaduais têm previsão de
emolumentos para custeio de malotes e envio de encomendas via correios e demais
despesas. E nestes estados, naturalmente essa parcela será repassada ao usuário
do serviço. Mas será esse o interesse do Provimento? Será que um Provimento
pode, mesmo que indiretamente, por via de conseqüência majorar/onerar mais esse
serviço público? E os estados que não têm previsão em Códigos de Normas?
Arcarão com esse ônus?
Ressalte-se que em todas as esferas, haverá uma majoração no custo das
operações, e será que um Provimento do CNJ tem competência para tanto? Entendo
que não, pois extrapola os limites da reserva legal.
Responsabilidade pela remessa das
cópias das procurações e seus desdobramentos –Estabelece o provimento que o
Tabelião tem prazo de até 03 (três) dias para encaminhar à respectiva Junta
Comercial cópia do instrumento de procuração. Esse dispositivo, por certo,
impõe ao Tabelião o cumprimento de obrigação acessória da parte outorgante, e
por óbvio, além de suas competências constitucionais.
No instrumento de mandato o
interessado (outorgante) comparece ao Cartório munido de seus documentos
pessoais originais, e os constitutivos de sua empresa, e diz ao escrevente autorizado
que deseja nomear alguém de sua confiança (procurador) para que pratique
determinados atos em seu nome, ou em nome de sua empresa - o procurador pratica
os atos pelo outorgante, é como se o
próprio outorgante tivesse praticando os atos. Qualquer exigência que
supere o já capitulado no código civil, deve nascer de fonte legislativa.
Em todo o ordenamento jurídico brasileiro, em especial o Código Civil, é
possível encontrar dispositivo cristalino no sentido de que a validade de
alguns atos só terão eficácia perante terceiros se devidamente a estes
apresentados, e/ou averbados pelo interessado nos órgãos competentes – É o que
vemos quanto aos
(i) divórcios, cuja
escritura, mesmo tendo fé pública, só produzirá seus efeitos após regular
averbação junto ao registro civil onde foi realizado o casamento
;
(ii) é o que vemos nas relações de
casamentos regidos sob regime diverso ao da comunhão parcial de bens, vez que
só produzem seus efeitos, quando anexos ao pacto antenupcial, são submetidos ao
registro geral de imóveis competente
;
(iii) é o que vemos também quanto a
revogação de instrumento de mandato
, que só poderá
ser imputável a terceiros de boa fé, desde que este seja previamente informado
da sustação de seus efeitos
. E todas
essas possibilidades são de responsabilidade dos outorgantes dos instrumentos,
os quais são os interessados.
Não somente, o Tabelião ficará adstrito à atuação da Junta Comercial na
medida em que esta terá o dever de proceder a averbação “solicitada” pela
serventia extrajudicial. E não o fazendo, naturalmente imporá ao Tabelião certa
parcela de responsabilidade tendo em vista que o usuário que solicitou o
serviço (procuração) nada teria haver com sua regularidade perante outros
órgãos.
Imaginemos, pois, aquelas situações em que o usuário do serviço precisa
da procuração em caráter emergencial? Como faria o Tabelião para cumprir com
sua função constitucional – legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade
e eficiência? Dizemos isso porque na
medida em que bancos e instituições outras, interessadas na classe empresarial,
verificarem que tais procurações precisam de chancela da Junta Comercial, a
exigência será unânime. O mercado como organismo vivo que é, irá normatizar para
si tais procedimentos. E o Tabelião ficará no meio dessa relação comercial
quase que como mediador, na medida as procurações terão forma e eficácia quando
averbadas nas Juntas Comerciais.
Entendemos que essa não é a função do tabelionato de notas.
O Tabelião, como determina a lei, tem o duplo aspecto de profissional do
direito, que tem a missão de assessorar a quem reclama a sua autoridade e
aconselhar os meios jurídicos mais adequados para o êxito de seus fins lícitos
que se propõe alcançar, e ser o delegado do poder estatal que exerce a fé pública notarial. O notário deve
exercer sua função de forma absolutamente imparcial, aconselhando as partes a
respeito dos efeitos que o ato a ser praticado irá ter no futuro. No exercício
de sua função delegada, exerce uma função autenticadora, legitimadora e
constitutiva dos atos jurídicos tipicamente notariais.
A lavratura do instrumento público de procuração deve, por si só, surtir
seus efeitos em caráter erga omnes,
sem qualquer limitação ou impositivo de ordem administrativa, sob pena de se
violar os princípios norteadores da atividade notarial, todos segurados pela
Carta Magna.
Compete à atividade notarial, como dispõe o art. 6º da Lei n.º 8.935/94: (i) formalizar juridicamente a vontade
das partes; (ii) intervir nos atos e
negócios jurídicos a que as partes devam ou queiram dar forma legal ou
autenticidade, autorizando a redação ou redigindo os instrumentos adequados,
conservando os originais e expedindo cópias fidedignas de seu conteúdo; (iii) autenticar fatos.
Não somente, em uma análise constitucional, acrescentamos que os Conselhos
Nacionais da Justiça (CNJ), assim como o do Ministério Público (CNMP) foram
introduzidos pela Emenda Constitucional n. 45/04, representando uma espécie de
carro-chefe da assim denominada Reforma do Judiciário. Tratou-se da
implementação
stricto sensu de
controle externo do Poder Judiciário e do Ministério Público. O CNJ está
especificado no artigo 103-B da Constituição
, em que,
exaustivamente, estão elencadas as atribuições do órgão.
A constitucionalidade lato sensu de ambos os Conselhos já foi afirmada pelo Supremo
Tribunal Federal. A discussão que se põe agora diz respeito aos limites do
poder regulamentar do Conselho, o que implica necessariamente discutir a
natureza jurídica de suas resoluções e provimentos, isto é, o questionamento
acerca do poder de atos com força de lei.
O cerne da discussão está no parágrafo 4º
e inciso I do art. 103-B constitucional.
In
verbis:
CONSELHO
NACIONAL DE JUSTIÇA
§4º
Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder
Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe,
além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da
Magistratura:
I – zelar pela
autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura,
podendo expedir atos regulamentares,
no âmbito de sua competência, ou recomendar providências;
Tendo a mesma ratio, as diretrizes que norteiam ambos os Conselhos são idênticas,
registrando-se apenas a especificidade constante no Conselho Nacional de
Justiça, que estabelece a competência de zelar pelo cumprimento do Estatuto da
Magistratura, enquanto no caso do Conselho Nacional do Ministério Público essa
questão não está explicitamente estabelecida. Essa sutil diferença – cujas
conseqüências, poderão ter reflexos em outros campos – não significa que haja
tratamento diferenciado do constituinte derivado no que diz respeito à legitimidade de “legislar” por parte dos
dois Conselhos, notadamente quando em causa restrições a direitos e garantias constitucionais, inclusive e
notadamente – e isto sempre foi muito caro para ambas as Instituições (Poder
Judiciário e Ministério Público) – as
garantias funcionais e institucionais.
Daí a necessária discussão acerca dos
limites para a expedição de “atos regulamentares” (esta é a expressão constante
na Constituição para os dois Conselhos). Com efeito, parece um equívoco admitir
que o Conselho possa, mediante a expedição de atos regulamentares (na
especificidade, resoluções, provimentos), substituir-se à vontade geral (Poder
Legislativo) e tampouco ao próprio Poder Judiciário, com a expedição, por
exemplo, de “medidas cautelares/liminares”.
Dito de outro modo, a leitura do texto
constitucional não dá azo à tese de que o constituinte derivado tenha
“delegado” ao referido Conselho o poder de romper com o princípio da reserva de
lei e de reserva de jurisdição.
Como se sabe, o que distingue o conceito
de lei do de outros atos é a sua estrutura e a sua função. Leis têm caráter
geral, porque regulam situações em abstrato; atos regulamentares (resoluções,
decretos, provimentos, etc) destinam-se a concreções e individualizações. Uma resolução ou provimento não pode estar
na mesma hierarquia de uma lei, pela simples razão de que a lei emana do poder
legislativo, essência da democracia representativa, enquanto os atos
regulamentares ficam restritos à matérias com menor amplitude normativa.
Este parece ser o ponto central da
discussão. Se a atuação dos membros do Poder Judiciário e do Ministério Público
está regulada em leis específicas (postas no sistema em estrita obediência à
Constituição), parece, de pronto, inconcebível que o constituinte derivado, ao
aprovar a Reforma do Judiciário, tenha transformado os Conselhos em órgãos com
poder equiparado aos do legislador. Ou seja, a menção ao poder de expedir “atos
regulamentares” tem o objetivo específico de controle externo, a partir de
situações concretas que surjam no exercício das atividades. Aliás, não se pode
esquecer que é exatamente o controle externo que se constituiu na ratio essendi da criação de ambos os
Conselhos.
No Estado Democrático de Direito, é
inconcebível permitir-se a um órgão administrativo expedir atos (resoluções, provimentos,
decretos, portarias, etc) com força de lei, cujos reflexos possam avançar sobre
direitos fundamentais, circunstância que faz com que tais atos sejam ao mesmo
tempo legislativos e executivos, isto é, como bem lembra Canotilho, a um só
tempo “leis e execução de leis”.
Trata-se – e a lembrança vem de Canotilho
– de atos que foram designados por Carl Schmitt com o nome de “medidas”. Essa
distinção de Schmitt é sufragada por Forsthoff, que, levando em conta as
transformações sociais e políticas ocorridas depois de primeira guerra,
considerava inevitável a adoção, por parte do legislador, de medidas legais
destinadas a resolver problemas concretos, econômicos e sociais. Daí a
distinção entre leis-norma e leis de medida. Na verdade, as leis-medida se
caracterizam como leis concretas. A base da distinção nas leis concretas não é
a contraposição entre geral-individual, mas entre abstrato-concreto (K.Stern).
O interesse estará em saber se uma lei pretende regular em abstrato
determinados fatos ou se se destina especialmente a certos fatos ou situações
concretas. Também aqui a consideração fundamental radicaria no fato de uma lei
poder ser geral, mas pensada em face de determinado pressuposto fático que
acabaria por lhe conferir uma dimensão individual, porventura inconstitucional.
O fato de a EC/45 estabelecer que o
Conselho Nacional de Justiça pode editar atos regulamentares não pode
significar que estes tenham carta branca para tais regulamentações. O Conselho
enfrenta, pois, duas limitações: uma, stricto
sensu, pela qual não podem expedir regulamentos com caráter geral e
abstrato, em face da reserva de lei; outra, lato
sensu, que diz respeito a impossibilidade de ingerência nos direitos e
garantias fundamentais dos cidadãos.
Presente, aqui, a cláusula de proibição de
restrição a direitos e garantias fundamentais, que se sustenta na reserva de
lei, também garantia constitucional. Em outras palavras, não se concebe – e é
nesse sentido a lição do direito alemão - regulamentos de substituição de leis
(
gesetzvertretende Rechtsverordnungen)
e nem regulamentos de alteração das leis (
gesetzändernde
Rechtsverordnungen). É neste sentido que se fala, com razão, de uma
evolução do princípio da reserva legal para o de reserva parlamentar.
Não se pode olvidar outro ponto de
fundamental importância. A Constituição do Brasil estabelece no artigo 84, IV,
in fine, o poder regulamentar do Chefe
do Poder Executivo, podendo expedir decretos e regulamentos para o fiel
cumprimento das leis,
tudo sob o
controle e a vigilância do Poder Legislativo em caso de excesso (art. 49,V) e
da jurisdição constitucional nas demais hipóteses. Nesse sentido, fica
claro que
as exceções para a edição
de atos normativos com força de lei (art. 62) e da possibilidade de delegação
legislativa (art. 68)
tão-somente
confirmam a regra de que a criação de direitos e obrigações exige lei ou ato
com força de lei, conforme se pode verificar na própria jurisprudência do
STF (AgRg n. 1470-7).
Portanto, as resoluções, provimentos e
quais outros atos que podem ser expedidas pelo aludido Conselho não podem criar direitos e obrigações e
tampouco imiscuir-se (especialmente no que tange à restrições) na esfera dos
direitos e garantias individuais ou coletivas. O poder “regulamentador” do
Conselho esbarra, assim, na
impossibilidade de inovar.
As garantias, os deveres e as vedações dos
membros do Poder Judiciário estão devidamente explicitados no texto
constitucional e nas respectivas leis orgânicas. Qualquer resolução ou
provimento que signifique inovação será, pois, inconstitucional. E não se diga
que o poder regulamentar (transformado em “poder de legislar”) advém da própria
EC/45. Fosse correto este argumento, bastaria elaborar uma emenda
constitucional para “delegar” a qualquer órgão (e não somente ao CNJ e CNMP) o
poder de “legislar” por regulamentos. E com isto restariam fragilizados
inúmeros princípios que conformam o Estado Democrático de Direito.
Por derradeiro:
regulamentar é diferente de restringir. De outra parte, assim como
já se tem a sindicabilidade até mesmo em controle abstrato de atos normativos
de outros poderes (leis em sentido material),
como
provimentos de Corregedorias, etc, muito mais será caso de controle de
constitucionalidade a hipótese de o Conselho vir a expedir atos restringindo
direitos e garantias pessoais, funcionais, institucionais e criando obrigações.
Muito mais do que uma mera e egoística
disputa por prerrogativas – como habitualmente acabam sendo qualificadas, em terrae brasilis, tentativas legítimas e
democráticas de impugnação de uma série de medidas e reformas – está em causa,
aqui, a defesa enfática e necessária dos elementos essenciais do nosso Estado
Democrático de Direito, que, por certo, não há de ser um Estado governado por
atos regulamentares, decretos e resoluções.
Assim faço votos para que o Provimento n.º
42 do Conselho Nacional de Justiça seja revisto.
Para Bandeira de Mello, “violar um
princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção
ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas
a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou
inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque
representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores
fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura
mestra.”
São nossas considerações.
Igor
Emanuel da Silva Gomes
Advogado, Parecerista,
Assessor Jurídico do 2º Ofício de Notas do Juízo de Vitória/ES.
Graduado em
Direito pela FDCI – Faculdade de Direito de Cachoeiro de Itapemirim/ES.
MBA - Pós Graduando
em Direito Civil e Processual Civil pela FGV – Fundação Getúlio Vargas.
Art. 682, CC – Cessa o mandato: I - pela revogação ou
pela renúncia;